segunda-feira, abril 02, 2007

quando estiver bem, estarei

quando nascemos, gritando e esperneando, geralmente, não levamos muito tempo para sermos jogados no caldo que dali em diante representará nossa vida. pode ser que passemos alguns segundos ou até minutos livres dele; talvez alguns de nós não se importem de serem arrancados de seu primeiro lar e terem o seu novo habitat decidido por um terceiro, mas, a princípio, o momento em que nossa cabeça é puxada para fora da vagina de nossa mãe é o momento em que somos atirados no caldo e no qual temos que começar a criar um fucking heart e fucking lungs.

no começo, o caldo é claro, quase transparente, pouco espesso, aerado: nossas necessidades são básicas e, na maioria das vezes, elas nos são concedidas sem grandes esforços. nossa aparência ajuda, o choro fácil sublinha o instinto maternal presente em pouco mais de metade da população mundial. temos a opção de ficar na superfície do caldo, mas apesar de parecer o mais fácil a se realizar, pouca gente o faz - por convenção social. é pouco comum os indivíduos que remanescem nessa faixa do caldo não serem chamados de retardados, preguiçosos, especiais, idiotas ou imbecis – entre outros – depois de terem passado, no máximo, dos seus cinco anos de idade. a partir daí, as coisas ficam mais subjetivas.
até o quinto ano de vida - ou de caldo, como quiser - a evolução é quase que tabelada: primeiro, o bebê aprende a mamar na mamadeira, sem a ajuda da mãe; depois aprender a se virar no bercinho. logo, levanta a cabeça e começa a sentir vontade de engatinhar. quando já se sente experiente nessa última atividade, passa a querer andar e para isso começa a se sustentar em apenas duas pernas. quando sabe andar, pode parar de usar fraldas, e assim vai. até que chega aos bancos escolares e se depara com a necessidade de decifrar as letras. até esse momento, todos tentaram seguir o mesmo esquema, e chegaram, todos, a uma profundidade bastante semelhante do caldo. todos precisaram fortalecer seu coração. todos sofreram com a frustração da primeira queda. alguns já ouviram um não.
o caldo engrossa cada vez mais, de acordo com a profundidade; fica cada vez mais azulado, denso, sem oxigênio, nauseantemente viscoso. poucos vêem um motivo para entrar cada vez mais fundo; e menos ainda são aqueles que, além de se aventurar por esses recônditos assustadores, se sentem recompensados satisfatoriamente pelo simples fato de poderem circular livremente por qualquer profundidade do caldo. é bastante mais cômodo, e comum, ficar na profundidade x, na qual ainda se pode falar qualquer tipo de asneira sem sentir culpa, na qual se pode aprender algo novo muito de vez em quando sem se sentir a estagnação nos ossos, na qual simplesmente reconhecer o que está escrito é muito melhor do que realmente pensar no que está entre uma letra e outra. nessa altura, é necessário fazer fazer fazer fazer, é necessário nunca parar, porque os pulmões ainda não são nada, porque o coração ainda não sabe ver que mesmo quando não se faz, se é.
apesar de o caldo ser escuro e pouco atraente, talvez ele seja um refúgio para aqueles que, depois de cansarem seus músculos de tanto escrever até altas horas da noite sem realmente perceber o que se passa a meio metro da sala do computador, queiram dar outra opção aos seus órgãos.
assim como os túneis de nossa saudosa josy, o caldo também tem seus mecanismos de funcionamento: mesmo pulmões muito potentes e corações muito calorosos não agüentam as profundidades mais terríveis por tanto tempo. às vezes é necessário ser um idiota, pensar apenas em mamar, em dormir e chorar. para logo mergulhar fundo de novo. bem vindo ao caldo.


3 comentários:

Rafael Urban disse...

ainda estou tentando decifrar as distâncias entre as letras.
longe do final do texto, do "vem vindo" ao caldo. definitivamente, quando estiver bem, estarei.

Álvaro disse...

que engraçado, porque eu tenho uma "pira" parecida, mas eu acho que a gente devia viver todo mundo na superfície do caldo.

Rafael Urban disse...

textos novos?