domingo, junho 04, 2006

i will survive

josy era uma menina bonita, de olhos verdes e cabelos cor de mel. ela gostava de usar um casaquinho que ganhara de sua avó, feito de lã vermelha e com um forro de florzinhas coloridas no fundo branco; seus sapatos preferidos eram um par de sapatilhas tipo conga cor de rosa que comprara num passeio pelo centro da cidade já havia mais de um ano. os sapatos ficavam apertados, mas ela não ligava; o importante era usar coisas das quais gostasse e que a fizessem sentir bem. já aos 8 anos sabia muito bem o que queria e o peso dessa consciência fazia com que quisesse passar longos períodos do dia sozinha, pensando em como ia conseguir tudo o que esculpira em sua pequena cabeça.
seu lugar preferido para esses pequenos passeios por sua vida em miniatura era em cima do fogão a lenha que ficava no canto da lavanderia da casa de sua avó; ninguém passava lá depois do almoço, já que a faxineira trabalhava só de manhã. sentada em cima da boca maior de ferro, josy era capaz de passar tardes e tardes com o ouvido colado em um cano que ia do nada a lugar nenhum. dentro desse cano, josy imaginava todo um mundo paralelo, que de paralelo não tinha nada, a não ser o fato de não ser real. no cano, que josy imaginava ser muito sujo por dentro, havia um tipo de vida muito interessante: o tubo de pvc branco era habitado por pequenas quantidades de gases coloridos, que ao se misturarem criavam novas tonalidades. quanto mais velho e perto de seu fim um gas estava, mais duro e impenetrável ele ia ficando, até por fim se tornar uma pedrinha tão dura quanto diamante, mas muito mais bonita que estes.josy nunca chegou a entrar em contato com o mundo do cano da lavanderia.
aos oitenta e três anos, deitada em um leito de hospital, lady josy recebeu de seu fiel enfermeiro suas pílulas diárias acompanhadas de um copo cheio até as bordas de água gelada. ao beber um gole d'água para tirar o gosto do remédio, lady josy se engasgou e, apesar de sua costumeira elegância, cuspiu o líquido contido em sua boca. ao olhar para o vidro, viu uma pedra arroxeada, muito sólida e brilhante. segundo depois, faleceu de complicações da idade.

Um comentário:

Álvaro disse...

uau, que chokante o final.